Em 2003, a juíza Luislinda Dias Valois dos Santos proferiu a primeira sentença brasileira baseada na Lei do Racismo.
Deu ganho de causa a uma negra acusada de ter roubado um frango e dois sabonetes da principal rede de supermercados da Bahia.
Declarada a sentença, Luislinda foi ameaçada de morte. Mas isso não era novidade na vida da primeira juíza negra do Brasil.
Negra, mulher, divorciada, nordestina e de origem pobre, ela costuma dizer que se for morta seu assassino será o racismo.
Tinha nove anos quando um professor lhe disse que seu lugar era na cozinha de uma branca.
Ao ser aprovada no concurso público para procuradora, uma Bahia comandada por coronéis brancos mandou-a para Curitiba.
Para regressar, passou no concurso da Justiça Estadual da Bahia e foi exilada em uma comarca sem luz, telefone e água encanada. De pronto, foi avisada de que, mais dia menos dia, seria morta.
Fez um curso de justiça célere na Austrália e, ao aplicar esse processo por aqui, quiseram saber o que ela ganhava julgando com rapidez.
Advogados já pediram cancelamento de audiência ao saber que a juíza não era branca. Muitos ainda se perguntam o que aquela mulher de rastafári vermelho faz sentada na cadeira do juiz.
Certo dia entrou em um banco e foi chamada e tratada como bandida pelos seguranças. Depois de alguns sustos, passou a ter cuidado com a água que bebe e com o percurso que faz diariamente.
Foram muitas as intimidações para que ela renunciasse à magistratura.
Como não conseguiram matá-la fisicamente, fecharam-lhe todas as portas do Judiciário. Sem se intimidar, passou a fazer audiências na periferia, nos alagados, nos quilombos.
De barco, ônibus ou a pé, a juíza tentou levar justiça à população mais carente.
Porém, foi duramente censurada. Até mesmo do premiado projeto Balcões de Cidadania, do qual foi idealizadora e coordenadora, foi afastada.
Mesmo ganhando diversos prêmios e homenagens, Luislinda é tida, dentro do meio, como uma juíza menor.
Ela tem certeza de que muito do problema do preconceito está dentro do Judiciário, ainda branco e machista.
No Brasil, pouco mais de 1% dos juízes se declaram negros e a maioria, principalmente nas instâncias superiores, é do sexo masculino.
Aos 67 anos, a filha de Iansã tem todos os requisitos necessários para se tornar desembargadora.
Só que Luislinda não precisa jogar búzios, ler cartas ou freqüentar o terreiro de mãe Bebé para saber que ninguém a quer como desembargadora. Como juíza, já incomoda muita gente.
* Daniel Campos é poeta, escritor, jornalista, pós-graduado em Comunicação Criativa pela ABJL e autor do portal de literatura e poesia www.danielcampos.biz
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