04/01/2010

Relações afetadas pelo preconceito

Direito do consumidor - DISCRIMINAÇÃO

Relações afetadas pelo preconceito
Pesquisa realizada pela Fundação Procon de São Paulo e pela Faculdade Zumbi dos Palmares revela que 44,26% dos entrevistados sentiram-se ofendidos em transações comerciais, mas apenas 3,7% recorreram à Justiça.
Paulo Sérgio se sentiu desrespeitado depois de ser chamado de analfabeto por um gerente de loja diante do filho e buscou a Justiça.
Uma pesquisa sobre discriminação racial nas relações de consumo, realizada pela Fundação Procon-SP com a colaboração de alunos da Faculdade Zumbi dos Palmares, constatou que 44,26% dos entrevistados já se sentiram discriminados ao comprar algum produto ou contratar serviços em razão da raça/cor. Desses, somente 3,70% denunciaram o crime às autoridades competentes. Da mesma forma, não raro, clientes são desrespeitados por diferentes motivos, seja por sua aparência, classe social, opção sexual ou em função da profissão, da idade, do sexo e até do estado civil. Assim como os afrodescendentes que participaram da pesquisa, muitos desses consumidores não levam o caso até a Justiça por não saberem diferenciar um simples mau trato de uma discriminação que enseja uma ação por danos morais ou mesmo revisão do contrato para prestação do serviço.

O motorista Paulo Sérgio Fram Holz, 39 anos, poderia considerar o desrespeito sofrido apenas como mais uma grosseria. Mas ele se sentiu tão ofendido com o tratamento recebido pelo gerente de uma grande loja de departamento que resolveu pedir orientação a um advogado e entrou com ação na Justiça por reparação de danos morais. “Após o Dia das Crianças, fui à loja comprar um brinquedo para o meu filho e questionei sobre a cobrança de juros para o parcelamento no cartão. Achei que aquilo poderia não estar certo, falei que iria me informar sobre meus direitos, mas levei a mercadoria assim mesmo. Na saída, fui surpreendido pelo gerente, que queria me mostrar o Código de Defesa do Consumidor. Eu disse que não podia ler naquela hora porque estava com pressa. E ele falou: — Ainda bem, porque você é analfabeto. Meu filho, de oito anos, que já sabe o que é um analfabeto, ficou assustado com o comportamento daquele funcionário”, lembra-se Sérgio, que ainda aguarda a audiência no Juizado Especial Cível.
Como os motivos capazes de ofender costumam ser bastante particulares, o presidente do Instituto Brasileiro de Estudo e Defesa das Relações de Consumo (Ibedec), Geraldo Tardin, alerta sobre a importância de pedir orientação a um advogado antes de ingressar com ação por danos morais para que a empreitada não se torne uma aventura jurídica. “Aqui no Ibedec, costumamos dispensar, a cada ano, uma média de 40 ações por danos morais porque não há argumentos para sustentá-las”, justifica.
Ele explica que o mau atendimento somente dará direito à indenização quando ocorrer o dano moral. “Isso significa que não pode se tratar de um mero aborrecimento. Para que seja configurado o dano moral, o comportamento do fornecedor ou prestador de serviço precisa abalar psicologicamente o consumidor, ofender sua honra ou ferir sua dignidade humana”, explica Tardin.

Produção de provas
Segundo ele, nessas situações, testemunhas auxiliam, mas não são essenciais, uma vez que o Código de Defesa do Consumidor (CDC) determina a inversão do ônus da prova, ou seja, é o fornecedor do produto ou prestador de serviços quem deverá produzir evidências de que tal fato não ocorreu. “É importante que o consumidor comprove que esteve no local. Para tanto, basta comprar algo e guardar a nota ou recibo do cartão”, orienta.
Mas, para alguns especialistas, o caso pode não ser tão simples assim. “Por se tratar de situações subjetivas, em determinados casos, a produção de provas pode ser impossível tanto para o consumidor quanto para a empresa. Portanto, o juiz pode entender não ser razoável condenar o fornecedor ou prestador de serviço para não estimular futuras ações motivadas por razões escusas. Por isso, o mais seguro é ter pelo menos duas testemunhas”, recomenda o advogado e diretor jurídico do Procon-Goiânia, Nayron Toledo. Ele afirma que, em situações de discriminação racial, considerada crime inafiançável, ou que ferem a dignidade da pessoa humana, o consumidor deve chamar a polícia. “O registro dos policiais é mais uma prova. A ocorrência deve ser registrada na Delegacia do Consumidor, para um melhor direcionamento do assunto”, acrescenta.

Nayron esclarece que a valoração do dano moral deverá levar em consideração não apenas a extensão da ofensa, mas também o grau de culpa e a condição econômica da empresa, bem como do ofendido. “O dano à imagem de uma pessoa pública é maior do que o causado a um desconhecido”, avalia.

Há ainda outras situações bem frequentes que podem ser consideradas como discriminatórias contra o consumidor, mas que passam desapercebidas. “É o caso, por exemplo, de algumas seguradoras de automóveis. O fator de risco, usado para o cálculo do prêmio, deve ter relação direta com o bem assegurado. Deve considerar a existência de garagem em casa ou no trabalho, de dispositivo de segurança, a potência do veículo (se corre muito ou não), se é atrativo para o roubo, entre outros. Não se pode elaborar um perfil de risco baseado em características físicas, sexo, idade do motorista, local onde o consumidor mora, estado civil, cor. Isso é discriminação”, alerta Geraldo Tardin.
Estudo
Conforme o levantamento, o consumidor afrodescendente se sentiu mais discriminado em lojas de vestuário. Em seguida, aparecem banco/financeira, supermercado e shopping center. Segundo os entrevistados, a prática mais comum é a desconfiança dos seguranças, além do não atendimento ou proibição da entrada no estabelecimento.
Como se comportar
Em situações desrespeitosas, argumente com moderação. Não perca a razão com discussões acaloradas nem revide com ofensas. Isso pode ser prejudicial para você caso deseje ingressar na Justiça com uma ação por danos morais. Afinal, isso produzirá provas em favor do reclamado.
Em casos de discriminação racial, considerada crime inafiançável, ou que ferem a dignidade da pessoa humana, o consumidor pode chamar a polícia ao local. O registro dos policiais será mais uma prova.
Isso não descarta a possibilidade de registrar ocorrência na Delegacia do Consumidor e até mesmo no Procon, que poderá multar a empresa.
Se possível, pegue os contatos de pelo menos duas testemunhas.
É importante ter provas de que esteve no local, naquela data e horário. Para tanto, faça alguma compra e guarde o recibo do cartão ou a nota fiscal.
Consulte um advogado antes de ingressar com ação para saber se o ocorrido caracteriza dano moral.
Desrespeito punido

Maria Helena, órfã de pai e mãe, não pôde fazer o cartão da Renner por não ter o nome dos pais no documento de indentidade
Há cerca de dois meses, a compositora Maria Helena da Silva, 55 anos, ganhou uma ação contra as lojas Renner S.A, no valor de R$ 18,6 mil, por ter sido desrespeitada em uma das unidades da empresa. “Uma atendente me perguntou se eu queria fazer o cartão da loja. Aceitei e, após preencher o formulário para crediário, prestar todas as informações necessárias e aguardar o tempo recomendado, tive o cadastro negado. Insisti para saber o motivo e, após uma longa espera, soube que era devido à ausência de dados sobre o nome dos meus pais na minha carteira de identidade”, conta Maria, que é órfã e sofreu com isso a vida inteira.

“Achei aquilo uma falta de respeito e ainda tive que ouvir da funcionária que ela não poderia fazer mais nada, seguido de um ‘nunca vi quem não tem pai conseguir algum crédito na vida’”, recorda-se Maria. Segundo ela, o constrangimento foi presenciado por vários outros clientes. Um deles, inclusive, testemunhou no processo em favor da consumidora.
Ao determinar o valor da indenização, a juíza Oriana Piske de Azevedo Magalhães Pinto, do Juizado Especial de Competência Geral do Guará, entendeu que a valoração do dano moral sofrido pela autora deveria considerar a proporcionalidade entre o dano moral sofrido, incluindo sua repercussão na vida da ofendida, bem como as condições econômico-financeiras do agente causador do dano, com objetivo não só de trazer algum alento a Maria, mas também de repreender a conduta do ofensor. Ela ressaltou ainda que “a empresa Renner é uma das grandes empresas de departamento do país, a qual deve prestar um serviço ao consumidor com a mesma magnitude de seu porte”.
A Lojas Renner recorreu da sentença. Procurada pelo Correio, a empresa informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que “o processo está em andamento e neste sentido tomará as medidas legais cabíveis”. A empresa ressaltou que repudia qualquer forma de discriminação.
Achei aquilo uma falta de respeito e ainda tive que ouvir da funcionária que ela não poderia fazer mais nada, seguido de um ‘nunca vi quem não tem pai conseguir algum crédito na vida’´´


Maria Helena da Silva, 55 anos, compositora




Fonte: Correio Brasiliense

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