18/11/2009

MNU fez ressurgir força de luta contra o racismo.


Ainda eram os tempos de chumbo, o nome mais ameno para o período de horror das duas décadas de ditadura militar no Brasil. Nas escadarias do Teatro Municipal de São Paulo, em 7 de julho de 1978, um grupo dava um ousado passo. Era o primeiro ato público do recém-criado Movimento Negro Unificado contra a Discriminação Racial (MNUCDR), mais tarde MNU, que no dia 18 de junho de 2008 vai celebrar 30 anos. A associação impôs um marco divisório na organização política por cidadania negra.
O MNUCDR surgiu trazendo bandeiras de lutas forjadas nas mais variadas visões sobre o melhor caminho para combater o racismo no Brasil. Um trecho da carta que foi lida nas escadarias do Teatro Municipal não deixava dúvidas sobre a direção das lutas do movimento:
“Hoje, estamos nas ruas numa campanha de denúncia! Campanha contra a discriminação racial, contra a opressão policial, contra o desemprego, o subemprego e a marginalização. Estamos nas ruas para denunciar as péssimas condições de vida da Comunidade Negra (...)”
O texto histórico está descrito em Movimento Negro Unificado- 1978-1988, 10 anos de luta contra o racismo, uma coletânea de textos organizada pelo professor, escritor e diretor do Ilê Aiyê, Jônatas Conceição. “Na época do ato público, eu estava em São Paulo. Foi a primeira vez que vi Abdias do Nascimento e Lélia González”, conta Conceição, citando personalidades históricas da luta de combate à discriminação racial no Brasil.
Por meio de suas ações, como o ato político em São Paulo, o MNU começaria a centrar o seu discurso, principalmente na demolição do mito de que o Brasil vivia uma democracia racial. “O discurso que o movimento estava trazendo desestabilizava o imaginário de que o País era o paraíso de uma convivência harmoniosa entre os diversos segmentos étnicos. Isso provocou uma reação muito forte”, acrescenta Conceição.
Caminhada – Mas, para se chegar até o MNUCDR, a caminhada foi árdua e longa. Os caminhos de luta por igualdade começaram a rigor junto com a escravidão. Os registros de fugas e rebeliões, como a chamada Revolta dos Búzios ou a dos escravos malês, são as provas de que os escravos africanos e seus descendentes nunca aceitaram passivamente a exploração do seu trabalho acompanhada de vários tipos de maus-tratos e falta de liberdade.
No texto Pequeno histórico do movimento negro contemporâneo, publicado no livro Negras Imagens, João Batista de Jesus Félix conta que a resistência começou com os quilombos e evoluiu para as revoltas escravas nos centros urbanos.
Com a chegada da abolição e já no período da República, a população negra, embora livre, continuava à margem da cidadania. Em 1931, surgiu a Frente Negra Brasileira (FNB), que acabaria fechada pelo presidente Getúlio Vargas seis anos depois. Em Salvador, houve uma versão da FNB.“Diferente de São Paulo, onde ela era formada por trabalhadores que buscavam uma certa ascensão, aqui ela foi articulada por gente muito pobre. Eles chegaram a fazer uma passeata pela cidade que surpreendeu pela coragem e força”, diz o doutor em antropologia e professor da Ufba Jeferson Bacelar, autor dos livros Ser negro em Salvador, Hierarquia das raças e Mário Gusmão – Um Príncipe Negro nas Terras dos Dragões da Maldade. Mas, para Bacelar, ainda é necessária uma maior produção de análises históricas sobre os movimentos negros.
“Eles foram fundamentais para que o problema do racismo no Brasil viesse à tona, a partir da denúncia de que a democracia racial era um mito”. Bacelar salienta que, por meio de atividades de grupos como o MNU, hoje estão em marcha ações afirmativas como as cotas, além de uma maior combatividade da juventude negra.
“Na verdade, as lutas continuam até hoje. A nova geração chegou à universidade e se auto- afirma. São jovens anônimos como muitos dos que militaram e cujos nomes não ficaram, mas que foram fundamentais para a sustentação destas lutas”, completa. Bacelar acrescenta que é também importante se avaliar a importância dos que não tiveram os nomes registrados nas histórias dos movimentos. “É preciso resgatar a história dos indivíduos e não apenas do grupo”, completa.
Diversidade – O MNU nasceu de forma ampla. Ele reunia grupos culturais, sindicais, estudantis que faziam o enfrentamento ao racismo e viram no movimento a ampliação da sua força política. “O MNU nasceu bastante diverso, mas o que nós tínhamos muito claro era a proposta de construção de um projeto político para o Brasil que não fosse excludente, como o que nos excluía e ainda exclui”, destaca Luiz Alberto Silva dos Santos, atual secretário estadual de Políticas de Promoção da Igualdade (Sepromi).

O MNUCDR surgiu como reação a dois atos de violência. O primeiro foi a morte de um trabalhador, Robson Silveira da Luz, que foi torturado pela polícia paulista. O outro envolveu um caso de discriminação racial no esporte também em São Paulo: quatro garotos negros foram impedidos de participar de um time de voleibol.
A indignação que esses dois casos causaram foi o estopim para libertar a vontade de ação de vários grupos espalhados pelo Brasil. Assim, a reunião do dia 18 de junho – com a instalação oficial do movimento – e o ato público de 7 de julho viraram parte da história de uma das mais longas lutas por cidadania integral no Brasil.
Além dos paulistas e cariocas, vários Estados do País foram representados não só pela presença de militantes, como também por meio das moções. Bahia, Pernambuco, Pará, Rio Grande do Sul e outras localidades mostravam que racismo e violência contra negros era um problema nacional.
Um dos documentos mais emocionantes que chegou ao ato foi a carta endereçada aos seus participantes pelos internos do Presídio Carandiru, cujo trecho também está reproduzido no livro Movimento Negro Unificado – 1978-1988 – 10 anos de luta contra o racismo.
“Se (direito humano) for algo do qual dependemos da sociedade branca para nos conscientizar, algo que se consiga com docilidade de servos, não apresente! Já estamos fartos de palavras, demagogias, por isto somos um grupo, por isto gritamos sem cessar. Somos negros, somos Netos de Zumbi. (E vovô ficaria triste, se nos entregássemos sem lutar)”, diz a carta.
Também em sua definição de princípios, o MNU denunciava as várias discriminações que, historicamente, estavam sendo impostas à população negra brasileira: desemprego, perseguição racial no trabalho, exploração sexual, econômica e social da mulher negra, mito da democracia racial, dentre muitas outras.
E adiantava seu programa: “Nós solidarizamos com toda e qualquer luta reivindicativa dos setores populares da sociedade brasileira que vise à real conquista de seus direitos políticos, econômicos e sociais; com a luta internacional contra o racismo”.



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